Foto: Arte Kokka Sports | Arquivo pessoal dos treinadores |
O fracasso da
Seleção Brasileira na reta final da Copa do Mundo trouxe à tona a discussão
sobre a reestruturação do futebol do país e a possibilidade de um eventual
arranhão na imagem de técnicos brasileiros no exterior. Dois jovens treinadores
nacionais, com formação acadêmica, falam das suas experiências em clubes
estrangeiros e contribuem com ideias para a evolução do futebol do Brasil.
O gaúcho Rodrigo
Ferrari (à esquerda, na foto), com boa trajetória em clubes do interior do Rio
Grande do Sul, tem viagem marcada para a Arábia Saudita, no início de agosto,
onde ira assumir a equipe profissional do Al-Kholoud. E o paulista Marcelo
Vasconcelos (à direita) já foi campeão em três países de dois continentes
(América do Sul e Ásia) e está no Peru para ministrar palestra sobre suas
ideias sobre futebol.
Confira a
entrevista:
1)
Você acha que a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, da maneira como
foi, prejudica o mercado para treinadores brasileiros no exterior?
Rodrigo
Ferrari: Claro que uma derrota
desse porte respinga no trabalho dos treinadores brasileiros. No entanto, somos
nós mesmos os responsáveis por mudar esse conceito de que, eventualmente,
estamos desatualizados, mostrando que a nova geração está atenta ao mercado e
em constante evolução.
Marcelo
Vasconcelos: Infelizmente,
prejudica. Mas creio que apenas para ingresso nos grandes mercados. Da forma
que perdemos até o que, eventualmente, tenha sido bem feito acaba se perdendo.
A Copa do Mundo sempre acaba criando tendências. Entre 1994 e 2006 tivemos um
movimento excelente para o mercado do exterior, principalmente Arábia e Ásia.
Mas depois foi gradativamente caindo. Um bom termômetro é a presença de
profissionais brasileiros em outras comissões técnicas de seleções nacionais.
Em 2014, apenas o Irã tinha o Edu Gaspar, que foi emprestado pelo Corinthians.
Em outras Copas tivemos mais brasileiros a serviço de outros países.
2)
A partir da(s) experiência(s) que você teve fora do Brasil, como observou que o
treinador brasileiro é visto?
rodrigo
Ferrari: Especificamente
no Al Kholoud, clube para o qual estou me transferindo conto com um diretor de futebol jovem e bastante preocupado com a formação. Ele
sempre deixou claro que queria um treinador com bom currículo, tanto que
elogiou a minha graduação em Educação Física e a pós-graduação em futebol.
Fizeram questão de contratar um brasileiro, pois argumentaram que gostariam de
contar com trabalho técnico bem embasado, atualizado, mas mesclado com a
malícia e a experiência do futebol do brasileiro.
Marcelo
Vasconcelos: Tive a
oportunidade de trabalhar em três países distintos (Bolívia, Japão e Coreia do
Sul) e a visão realmente é diferente em cada um deles. Na Bolívia, notei que há
uma influência forte do futebol argentino. Infelizmente, na década de 1970, o
insucesso de alguns brasileiros que foram para lá acabou limitando a ida de
outros profissionais. Mas com dedicação e um trabalho sério pude mostrar que
somos organizados. Observei que não valorizavam muito os treinadores
brasileiros, pois entendiam que o surgimento de novos talentos a todo instante
facilita o trabalho aqui no Brasil. Os títulos são sempre importantes para
consolidação. E fui feliz ao subir o Tarija para a 1ª. divisão do estadual, o
que ate hoje é marcante para os torcedores.
No Japão, há uma
exaltação muito grande pelo futebol brasileiro, o que o torna referência, pois
somos admirados por fazer prevalecer a habilidade e a criatividade. Então, como
eles têm a disciplina tática, entendem que esta mescla pode ser perfeita.
Em relação à
Coreia do Sul, até os treinamentos a que nós treinadores somos submetidos tem o
futebol inglês como parâmetro. Lá, tudo é mais sistemático, possuem
padronização em todas as categorias de base por todo o país. Todos os clubes
jogam no 4-4-2 com duas linhas de quatro. Aqui, costumamos utilizar os treinos
coletivos e lá não existe. O treino é voltado para espaços reduzidos e
especifico por posição. Treinam ate a exaustão, mas buscam da maneira deles a
perfeição. Admiram o trabalho físico que empregamos e os métodos em relação à
preparação de goleiros, mas no que diz respeito ao comando técnico preferem
apenas confiar, no máximo, cargos de auxiliares. A própria seleção coreana
sub-23, que ganhou medalha de bronze na ultima Olimpíada, tinha um brasileiro
no pré-olímpico, mas que nos Jogos Olímpicos acabou não sendo utilizado.
3)
Em alguns países do exterior se dá muita importância para o estudo acadêmico.
Como você vê isso? Concorda que seja assim?
Rodrigo
Ferrari: O estudo nos
dá o embasamento. O futebol não pode e não deve mais ser trabalhado de forma
empírica. Atualmente, sabemos que a psicologia, a gestão e a pedagogia são
fortes aliadas na busca pelas vitórias. Como conhecer esses tópicos se não for
através do estudo? Existem várias metodologias de treinamento. Algumas,
inclusive, embasadas em teorias filosóficas. O futebol merece e tem sido cada
vez mais estudado. O Brasil também tem que aceitar e se adaptar a esta
realidade.
Marcelo
Vasconcelos: Hoje o futebol
deixou de ser empírico ou baseado apenas no senso comum. Há dados estatísticos
e sistematização de treinamentos. Trabalhei em diversas funções até possuir
experiência suficiente para conseguir confiar no meu trabalho e nos métodos que
hoje utilizo. Costumo dizer que quanto mais conhecimento se tem, mais os
jogadores sentirão que são importantes e estarão confiantes em poder trabalhar
com treinadores que possuem e sabem utilizar seus conhecimentos.
4)
Quais argumentos para defender a tese de que não precisa ter sido jogador para
ser bom treinador?
Rodrigo
Ferrari: Entendo que
para ser um bom treinador é necessário aliar teoria e prática. Não acredito que
somente ex-jogador profissional possa obter sucesso na carreira como técnico.
No entanto, também não sou adepto àquele que nunca o praticou. Para treinar tem
que pelo menos ter vivenciado o esporte, podendo ser no âmbito amador ou
profissional. O mais importante, repito, é unir a vivência com o estudo.
Marcelo
Vasconcelos: É preciso
ter o conhecimento teórico e a pratica constante desse conhecimento. A vantagem
de ser acadêmico é a variedade de trabalhos que podemos utilizar em
treinamentos através da harmonia com profissionais de todas as áreas
(multidisciplinaridade). Claro que um ex-jogador tem suas vantagens também,
como por exemplo, já ter vivenciado momentos anteriores, que podem ser úteis na
função de treinador, em especial nos instantes de tensão, de pressão. Ambas as
experiências são muito válidas. O treinador não tem mais apenas a função de
eleger titulares e reservas. Há todo um envolvimento, eu mesmo não fui jogador
e me orgulho de ser treinador e me sinto apto para trabalhar em qualquer clube
do mundo.
5)
O que você acha que poderia ser feito para melhorar o surgimento de nova safra
de treinadores? Como a CBF pode trabalhar neste sentido?
Rodrigo
Ferrari: A CBF tem um
excelente curso, que é dividido em três módulos. Porém, falta popularizar, pois
os valores desse curso são bastante elevados. Acredito que se a CBF fizesse uma
parceria com as federações, fazendo os cursos em vários estados, o custo
baixaria, tornando a participação mais viável para muitos profissionais.
Marcelo
Vasconcelos: Aqui no
Brasil há excelentes cursos como o da ABTF, da CBF e um curso de especialização
organizado pela Universidade Federal de Viçosa, de onde saiu o Ney Franco. Mas
esbarram no alto custo e isso, sem dúvida, é um forte limitador. Temos que
lembrar, também, que é sempre interessante ter em consideração que no futebol
não se ganha apenas nas quatro linhas, somente através de treinamentos
técnico-táticos. É preciso estar atento a todos os detalhes que o envolvem,
como a psicologia, por exemplo. Gosto de citar uma entrevista que li, do
psicólogo da Alemanha, que comentou que ao observar vídeos de jogos anteriores
da Seleção Brasileira, percebeu que a equipe se abalava demais ao sofrer gols,
o rendimento caia drasticamente. Portanto, uniram a tática à psicologia e
estabeleceram que ao fazerem gol manteriam forte marcação no campo ofensivo para
decidir a partida naquele momento de instabilidade do adversário.
6)
O que pensa sobre esta nova comissão técnica que a CBF está formando?
Rodrigo
Ferrari: Sinceramente,
acho que para o bem do futebol brasileiro, seria interessante contar com outros
treinadores. Alguém com mais conhecimento metodológico e com um perfil mais
pedagógico. Mas acredito que o Dunga tenha um grande aliado no seu trabalho, o
seu auxiliar técnico. Conheço o trabalho do Andrey Lopes, já conversamos várias
vezes sobre a atualização no futebol. Se o Dunga escutá-lo, as chances de o
nosso futebol melhorar nesse sentido, de aplicação de métodos, são grandes.
Marcelo
Vasconcelos: Assim
como a maioria dos torcedores e da imprensa, entendo que o treinador do momento
seria do Tite. No entanto, apesar de ver que a comissão técnica esta sendo
formada por ex-atletas (Dunga, Mauro Silva e Taffarel) percebo que há outros
profissionais por trás que podem sim dar o suporte técnico para que eles
brilhem.
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