domingo, agosto 03, 2014

ENTREVISTAS: Mercado do exterior ainda busca treinadores brasileiros

Foto: Arte Kokka Sports | Arquivo pessoal dos treinadores
            O fracasso da Seleção Brasileira na reta final da Copa do Mundo trouxe à tona a discussão sobre a reestruturação do futebol do país e a possibilidade de um eventual arranhão na imagem de técnicos brasileiros no exterior. Dois jovens treinadores nacionais, com formação acadêmica, falam das suas experiências em clubes estrangeiros e contribuem com ideias para a evolução do futebol do Brasil.
            O gaúcho Rodrigo Ferrari (à esquerda, na foto), com boa trajetória em clubes do interior do Rio Grande do Sul, tem viagem marcada para a Arábia Saudita, no início de agosto, onde ira assumir a equipe profissional do Al-Kholoud. E o paulista Marcelo Vasconcelos (à direita) já foi campeão em três países de dois continentes (América do Sul e Ásia) e está no Peru para ministrar palestra sobre suas ideias sobre futebol.

Confira a entrevista:
1) Você acha que a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, da maneira como foi, prejudica o mercado para treinadores brasileiros no exterior?
Rodrigo Ferrari: Claro que uma derrota desse porte respinga no trabalho dos treinadores brasileiros. No entanto, somos nós mesmos os responsáveis por mudar esse conceito de que, eventualmente, estamos desatualizados, mostrando que a nova geração está atenta ao mercado e em constante evolução.

Marcelo Vasconcelos: Infelizmente, prejudica. Mas creio que apenas para ingresso nos grandes mercados. Da forma que perdemos até o que, eventualmente, tenha sido bem feito acaba se perdendo. A Copa do Mundo sempre acaba criando tendências. Entre 1994 e 2006 tivemos um movimento excelente para o mercado do exterior, principalmente Arábia e Ásia. Mas depois foi gradativamente caindo. Um bom termômetro é a presença de profissionais brasileiros em outras comissões técnicas de seleções nacionais. Em 2014, apenas o Irã tinha o Edu Gaspar, que foi emprestado pelo Corinthians. Em outras Copas tivemos mais brasileiros a serviço de outros países.

2) A partir da(s) experiência(s) que você teve fora do Brasil, como observou que o treinador brasileiro é visto?
rodrigo Ferrari: Especificamente no Al Kholoud, clube para o qual estou me transferindo conto com um diretor de futebol jovem e bastante preocupado com a formação. Ele sempre deixou claro que queria um treinador com bom currículo, tanto que elogiou a minha graduação em Educação Física e a pós-graduação em futebol. Fizeram questão de contratar um brasileiro, pois argumentaram que gostariam de contar com trabalho técnico bem embasado, atualizado, mas mesclado com a malícia e a experiência do futebol do brasileiro.

Marcelo Vasconcelos: Tive a oportunidade de trabalhar em três países distintos (Bolívia, Japão e Coreia do Sul) e a visão realmente é diferente em cada um deles. Na Bolívia, notei que há uma influência forte do futebol argentino. Infelizmente, na década de 1970, o insucesso de alguns brasileiros que foram para lá acabou limitando a ida de outros profissionais. Mas com dedicação e um trabalho sério pude mostrar que somos organizados. Observei que não valorizavam muito os treinadores brasileiros, pois entendiam que o surgimento de novos talentos a todo instante facilita o trabalho aqui no Brasil. Os títulos são sempre importantes para consolidação. E fui feliz ao subir o Tarija para a 1ª. divisão do estadual, o que ate hoje é marcante para os torcedores.
        No Japão, há uma exaltação muito grande pelo futebol brasileiro, o que o torna referência, pois somos admirados por fazer prevalecer a habilidade e a criatividade. Então, como eles têm a disciplina tática, entendem que esta mescla pode ser perfeita.
         Em relação à Coreia do Sul, até os treinamentos a que nós treinadores somos submetidos tem o futebol inglês como parâmetro. Lá, tudo é mais sistemático, possuem padronização em todas as categorias de base por todo o país. Todos os clubes jogam no 4-4-2 com duas linhas de quatro. Aqui, costumamos utilizar os treinos coletivos e lá não existe. O treino é voltado para espaços reduzidos e especifico por posição. Treinam ate a exaustão, mas buscam da maneira deles a perfeição. Admiram o trabalho físico que empregamos e os métodos em relação à preparação de goleiros, mas no que diz respeito ao comando técnico preferem apenas confiar, no máximo, cargos de auxiliares. A própria seleção coreana sub-23, que ganhou medalha de bronze na ultima Olimpíada, tinha um brasileiro no pré-olímpico, mas que nos Jogos Olímpicos acabou não sendo utilizado.

3) Em alguns países do exterior se dá muita importância para o estudo acadêmico. Como você vê isso? Concorda que seja assim?
Rodrigo Ferrari: O estudo nos dá o embasamento. O futebol não pode e não deve mais ser trabalhado de forma empírica. Atualmente, sabemos que a psicologia, a gestão e a pedagogia são fortes aliadas na busca pelas vitórias. Como conhecer esses tópicos se não for através do estudo? Existem várias metodologias de treinamento. Algumas, inclusive, embasadas em teorias filosóficas. O futebol merece e tem sido cada vez mais estudado. O Brasil também tem que aceitar e se adaptar a esta realidade.

Marcelo Vasconcelos: Hoje o futebol deixou de ser empírico ou baseado apenas no senso comum. Há dados estatísticos e sistematização de treinamentos. Trabalhei em diversas funções até possuir experiência suficiente para conseguir confiar no meu trabalho e nos métodos que hoje utilizo. Costumo dizer que quanto mais conhecimento se tem, mais os jogadores sentirão que são importantes e estarão confiantes em poder trabalhar com treinadores que possuem e sabem utilizar seus conhecimentos.

4) Quais argumentos para defender a tese de que não precisa ter sido jogador para ser bom treinador?
Rodrigo Ferrari: Entendo que para ser um bom treinador é necessário aliar teoria e prática. Não acredito que somente ex-jogador profissional possa obter sucesso na carreira como técnico. No entanto, também não sou adepto àquele que nunca o praticou. Para treinar tem que pelo menos ter vivenciado o esporte, podendo ser no âmbito amador ou profissional. O mais importante, repito, é unir a vivência com o estudo.

Marcelo Vasconcelos: É preciso ter o conhecimento teórico e a pratica constante desse conhecimento. A vantagem de ser acadêmico é a variedade de trabalhos que podemos utilizar em treinamentos através da harmonia com profissionais de todas as áreas (multidisciplinaridade). Claro que um ex-jogador tem suas vantagens também, como por exemplo, já ter vivenciado momentos anteriores, que podem ser úteis na função de treinador, em especial nos instantes de tensão, de pressão. Ambas as experiências são muito válidas. O treinador não tem mais apenas a função de eleger titulares e reservas. Há todo um envolvimento, eu mesmo não fui jogador e me orgulho de ser treinador e me sinto apto para trabalhar em qualquer clube do mundo.

5) O que você acha que poderia ser feito para melhorar o surgimento de nova safra de treinadores? Como a CBF pode trabalhar neste sentido?
Rodrigo Ferrari: A CBF tem um excelente curso, que é dividido em três módulos. Porém, falta popularizar, pois os valores desse curso são bastante elevados. Acredito que se a CBF fizesse uma parceria com as federações, fazendo os cursos em vários estados, o custo baixaria, tornando a participação mais viável para muitos profissionais.

Marcelo Vasconcelos: Aqui no Brasil há excelentes cursos como o da ABTF, da CBF e um curso de especialização organizado pela Universidade Federal de Viçosa, de onde saiu o Ney Franco. Mas esbarram no alto custo e isso, sem dúvida, é um forte limitador. Temos que lembrar, também, que é sempre interessante ter em consideração que no futebol não se ganha apenas nas quatro linhas, somente através de treinamentos técnico-táticos. É preciso estar atento a todos os detalhes que o envolvem, como a psicologia, por exemplo.  Gosto de citar uma entrevista que li, do psicólogo da Alemanha, que comentou que ao observar vídeos de jogos anteriores da Seleção Brasileira, percebeu que a equipe se abalava demais ao sofrer gols, o rendimento caia drasticamente. Portanto, uniram a tática à psicologia e estabeleceram que ao fazerem gol manteriam forte marcação no campo ofensivo para decidir a partida naquele momento de instabilidade do adversário.

6) O que pensa sobre esta nova comissão técnica que a CBF está formando?
Rodrigo Ferrari: Sinceramente, acho que para o bem do futebol brasileiro, seria interessante contar com outros treinadores. Alguém com mais conhecimento metodológico e com um perfil mais pedagógico. Mas acredito que o Dunga tenha um grande aliado no seu trabalho, o seu auxiliar técnico. Conheço o trabalho do Andrey Lopes, já conversamos várias vezes sobre a atualização no futebol. Se o Dunga escutá-lo, as chances de o nosso futebol melhorar nesse sentido, de aplicação de métodos, são grandes.

Marcelo Vasconcelos: Assim como a maioria dos torcedores e da imprensa, entendo que o treinador do momento seria do Tite. No entanto, apesar de ver que a comissão técnica esta sendo formada por ex-atletas (Dunga, Mauro Silva e Taffarel) percebo que há outros profissionais por trás que podem sim dar o suporte técnico para que eles brilhem.

Nenhum comentário: